O ministro das Finanças de Angola disse hoje, em Luanda, que o Governo está apostado “na gestão rigorosa e transparente” dos 1,3 mil milhões de dólares (1,1 mil milhões de euros) aprovados pelo Banco Mundial (BM). Archer Mangueira promete agora aquilo que os governos do MPLA (os únicos que o país teve) nunca fizeram desde 1975. Alguém acredita?
“O Governo de Angola está apostado na gestão rigorosa e transparente dos recursos que o Banco Mundial coloca à sua disposição e conta com o apoio técnico desta instituição para a boa materialização de todos os projectos agora financiados”, disse Archer Mangueira, que participou na reunião da instituição financeira multilateral, em Washington, EUA.
O Conselho de Administração do BM aprovou hoje o financiamento de 1,3 mil milhões de dólares para três projectos ditos estruturantes para apoio social, orçamental e fortalecimento do abastecimento de água à população.
Archer Mangueira referiu que para o Projecto de Fortalecimento do Sistema de Protecção Social foi feita uma dotação de 320 milhões de dólares (283,9 milhões de euros), para a Operação de Apoio Orçamental foram destinados 500 milhões de dólares (443,7 milhões de euros) e para Projecto de Água Bita, também 500 milhões de dólares.
Segundo Archer Mangueira, com a aprovação dessas três operações, o volume da carteira dos projectos do BM em Angola, passa a totalizar 2,5 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros).
O governante angolano explicou que o Projecto de Fortalecimento do Sistema de Protecção Social inscreve-se na política de transferência de rendimentos, desenhada pelo executivo para proteger as famílias com menores rendimentos.
Com este sistema, avançou o ministro, vão ser beneficiadas cerca de um milhão de famílias vulneráveis, através de transferências monetárias directas.
Outro objectivo é também fortalecer o mecanismo de gestão para o desenvolvimento de um sistema de financiamento de protecção social sustentável, além de permitir a conversão dos subsídios indirectos generalizados, em subsídios directos dirigidos para as famílias mais vulneráveis.
O titular da pasta das Finanças frisou que o reforço do sistema de protecção social “é particularmente importante, num momento em que ocorre a reforma do sistema de subsídios a preços”.
“O modelo que vigorava de subsídios a preços tornou-se injusto e insustentável em face da queda das receitas petrolíferas e do aumento da vulnerabilidade da dívida pública”, admitiu o ministro.
“Para reforçar o compromisso com as reformas em curso que estão a ser implementadas pelo executivo, bem como a transição para um novo modelo de crescimento, foi inscrito no programa de estabilização macroeconómica, a necessidade de ajustar os preços dos bens administrativos controlados, tais como da água, da electricidade, do transporte colectivo e de combustíveis”, acrescentou.
Relativamente à operação de apoio orçamental, Archer Mangueira referiu que é necessário para fazer face à queda das receitas fiscais, por efeito da diminuição das receitas petrolíferas, que gerou “um impacto muito negativo na tesouraria do Estado”, tendo por isso o executivo recorrido aos parceiros multilaterais para apoiarem o país nesta transição.
“Foi neste quadro que o Ministério das Finanças solicitou ao BM a estruturação de uma operação de apoio orçamental de 500 milhões de dólares, visando igualmente apoiar reformas económicas em curso”, disse.
Em relação ao terceiro financiamento aprovado pelo BM, este destina-se ao Projecto Bita, vocacionado ao fornecimento de água potável à população da zona sul de Luanda, mais concretamente do Camama, Benfica I e II, Cabolombo e Rocha Pinto.
De acordo com o ministro, o financiamento pelo BM deste sistema de captação, de tratamento e distribuição de água, vai contribuir substancialmente para melhorar a qualidade de vida destas populações.
“O projecto Bita é consistente com os princípios de maximização de financiamento ao desenvolvimento, visando como fim único atrair a participação do sector privado”, frisou.
Quem deve e não paga é… caloteiro
O Estado do MPLA deve cerca de 36.000 milhões de kwanzas (100,2 milhões de euros) à Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL), mais de metade da dívida total.
Segundo o director comercial da EPAL, Ângelo Filipe, a dívida acumulada da empresa ascende a 60.000 milhões de euros (perto de 167 milhões de euros) e, deste valor, 36.000 milhões de kwanzas “são dos organismos do Estado”
“Portanto, há aqui um problema muito grave que ainda temos que atravessar, porque se de um lado cobramos, do outro há entidades que não nos pagam”, disse a 18 de Março de 2019 o responsável à rádio pública angolana, anunciando o início de uma campanha de corte de água aos clientes devedores.
O director comercial da EPAL assumiu que Luanda, com mais de sete milhões de habitantes, ainda tem um défice de cerca de 350.000 contadores.
A “primeira preocupação” da empresa, adiantou, é resolver esse défice, referindo que “hoje em dia a aquisição e instalação de um contador e a respectiva mão-de-obra custa (custava) cerca de 30.000 kwanzas” (cerca de 83,5 euros).
“E estamos a ver que será um investimento na ordem dos 5.000 milhões de kwanzas [13,9 milhões de euros] e a empresa, por si só, não está, ainda, em condições de fazê-lo”, observou.
“Queremos sustentar a nossa actividade comercial e a nossa rentabilidade financeira para projectos que efectivamente despertem maior acutilância da população entre a produção, estabilização e depois outras acções (…)”, apontou.
Apesar de acções da empresa para o fornecimento de água em Luanda, várias zonas da capital ainda não têm acesso à rede pública de água e outras carecem de reabilitação do sistema.
Radiografia de um crime
A província de Luanda apresenta necessidades diárias de cerca de 1,2 milhões de metros cúbicos de água, para uma capacidade real disponível, inferior a metade, de 516,582 metros cúbicos.
Estes dados foram revelados no dia 6 de Dezembro de 2017 durante uma reunião realizada entre o governo da província de Luanda e o Ministério da Energia e Águas, para análise da problemática do abastecimento de água potável.
O comunicado final dessa reunião refere que é “manifestamente insuficiente” a capacidade actual para suprir a demanda, apesar dos investimentos realizados pela Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL), para aumentar o número de ligações nos mais variados distritos da província capital, que tem cerca de sete milhões de habitantes.
A nota sublinhava a existência de inúmeras localidades da província onde as populações recorrem ao consumo de água imprópria e a constatação de muitas das ligações recentemente implantadas não estarem a fornecer água devido às insuficiências no seu fornecimento.
Foi também constatada a existência de zonas com alta densidade populacional sem ligações domiciliárias e a captação e venda de água não tratada para a venda ilegal às populações, instituições e empresas.
Outro dos problemas identificados foi a danificação constante de condutas para a realização de negócios de venda de água, um conluio entre populares e trabalhadores da EPAL.
No encontro, em que participaram o então secretário de Estado das Águas, Luís Filipe, vice-governadores, administradores municipais e dos distritos urbanos (tudo gente do MPLA, como é óbvio), o presidente do Conselho de Administração da EPAL e responsáveis da área técnica, ficou concluído que o problema de captação e distribuição de água para Luanda só deverá estar quase totalmente resolvido em meados de 2020, quando os projectos Bita e Quilonga estiverem concluídos.
Entre várias recomendações, os participantes apontaram a necessidade de a EPAL recorrer às instâncias superiores para o aumento dos seus recursos financeiros de modo a acelerar o incremento da capacidade de captação e tratamento da água.
Nesse sentido, o Governo Provincial de Luanda deveria em conjunto com o Ministério da Energia e Águas efectuar uma missão de bons ofícios junto das autoridades centrais para a apresentação do quadro actual de captação e distribuição de água na província, suas dificuldades, soluções e necessidades de recursos materiais e financeiros.
Meter água até dizer basta…
A ngola é, dos nove Estados lusófonos, o país com menor acesso a água potável “per capita”, em que apenas 44% da população a obtém facilmente, com Portugal (100%) e Brasil (97%) no pólo oposto, indicam os estudos da ONU. No que ao reino do MPLA respeita, tudo normal. Por que carga de chuva os 20 milhões de pobres precisarão de água potável?
Num relatório do Programa Conjunto de Monitorização das Nações Unidas, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), foram analisadas as situações, até 2016, da água potável, saneamento e higiene em mais de 200 países e territórios.
O documento faz a comparação entre a evolução registada em cada um dos nove países lusófonos – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste – entre 2000 e 2015, tendo também em conta o respectivo aumento da população.
No quadro deste período, é referido também o aumento da população nas zonas urbanas, o acesso a água que dista mais de 30 minutos do local de residência, água não melhorada e água proveniente da superfície, como rios e lagos, entre outras fontes.
No acesso a água potável canalizada, Cabo Verde surge em terceiro lugar entre os lusófonos (subiu de 78% em 2000 para 86% em 2015), à frente de São Tomé e Príncipe (de 67% para 80% no mesmo período), Timor-Leste (não havia dados disponíveis em 2000, mas em 2015 tinha 70%), Guiné-Bissau (de 53% para 69%) e Moçambique (de 22% para 47%).
No mesmo período, Angola subiu de 38% para 41%, enquanto o Brasil passou dos 94% para 97% e Portugal de 99% para 100%.
O relatório sublinha que os dados são susceptíveis de alguma “relatividade”, tendo em conta o tamanho dos países, o total da população e o grau de desenvolvimento de cada um deles.
À excepção de Portugal (com 0% já em 2000) e Brasil (que baixou de 1% em 2000 para 0% em 2015), todos os restantes países lusófonos, em maior ou menor escala, ainda têm bolsas da população que só conseguem obter água a mais de 30 minutos do local de residência.
Angola, com 16% da população nessas circunstâncias ao longo do mesmo período, e Guiné Equatorial, que também continua com 2%, são os dois Estados lusófonos que mantiveram os números estatísticos entre 2000 e 2015.
Diferentes dados estatísticos, mas para pior, foram, no mesmo período, registados em São Tomé e Príncipe (de 13% para 15% da população), Moçambique (subiu de 5% para 14% da população) e na Guiné-Bissau (de 4% para 5%).
Cabo Verde desceu, em 15 anos, de 11% para 10% da população nessas circunstâncias, enquanto Timor-Leste, de que não existem dados de 2000, conta com 6% do total dos habitantes com a necessidade de ir buscar água a mais de 30 minutos dos locais de residência.
O estudo dava ainda conta da relação entre os dados estatísticos e a evolução da população urbana no mesmo período (2000 a 2015) nos nove Estados lusófonos, sempre em crescendo, com o Brasil a “liderar” esta tabela, com os habitantes citadinos a subirem, em 15 anos, de 81% para 86%.
Cabo Verde é o segundo país lusófono com maior crescimento da população urbana (aumentou, no mesmo período, de 53% para 66%), seguido por São Tomé e Príncipe (de 53% para 65%), Portugal (de 56% para 63%), Guiné-Bissau (de 37% para 49%), Angola (de 32% para 44%), Guiné Equatorial (de 39% para 40%), Timor-Leste (de 24% para 33%) e Moçambique (de 29% para 32%).
Folha 8 com Lusa